segunda-feira, 2 de julho de 2007

Tempo de quem?

Você percebe que uma fruta está podre quando observa que a consistência, o cheiro e a aparência desanimam todos os outros sentidos humanos, antes mesmo de querer testar o paladar. E também é possível identificar variações de preços, qualidade, acabamentos, conforto, confiabilidade, caráter e infinitas coisas. Podemos experimentar muitas sensações, quase tudo, e, através dessas experiências, saber o que queremos, merecemos e o que efetivamente levamos pra casa.

Isso não significa, no entanto, que temos controle pleno das opções que fazemos e sabores que optamos.

É assim com nossas próprias vidas. Percebemos que estamos velhos quando perdemos a noção de contemporaneidade e passamos o tempo [quase] todo dizendo a mais clichê das frases já inventadas pela soberba raça humana: “no meu tempo”. E é inevitável que todos, eu disse TODOS, sem exceção, digam [pelo menos uma vez na vida] essa frase tão idiota e deprimente.

Velho não é ter 80 anos, barba branca, ser careca, ter corcunda, usar óculos, vestir suspensório, ser surdo e falar baixo [e fofo – por conta da dentadura]. Isso é um estereótipo ridículo. Ser velho está além. Significa ser ingênuo e medíocre a ponto de acreditar que nada no mundo de hoje funciona como “no seu tempo”.

Sentir saudade é saudável, acredite. Lembrar das coisas com carinho é manter respeito pelas pessoas que te cercaram e cresceram contigo, além de mostrar dignidade para si mesmo. Importante é fazer isso sem pretensões comparativas com os tempos atuais.

Sou da época em que para jogar bola [de “capotão”] na rua tinha que pedir autorização para a mãe [e ficava de castigo se, além de ganhar o jogo, eu aprendesse um xingamento novo!]. No meu tempo a violência era menor pelo simples fato de eu desconhecer o significado desse vocábulo [estava protegido pelo escudo da minha idade: seis anos!].

Sou do tempo em que Atari e Master System [video games] eram brinquedos caros, só para crianças ricas. Quem não tinha era obrigado a se despir da timidez e conhecer algum coleguinha que tinha a fantástica tecnologia. E mais – tinha que usar a lábia para poder brincar junto. Nada mais agradável do que ir à locadora escolher um cartucho diferente e, na volta pra casa, tocar campainhas e sair correndo.

“No meu tempo”, passar de ano na escola era obrigação. Hoje eu não me importaria de repetir algumas séries se me fosse garantido o direito de estudar novamente na Escola João Vendramini. Trocaria alguns anos adolescentes de farra pelo pátio repleto de árvores centenárias daquele estabelecimento de ensino. Se pudesse, lá seria o palco do meu primeiro beijo, da minha formatura e do meu casamento. Minhas melhores lembranças são os dois anos que lá passei e lembro com o mesmo calor das coisas que fiz essa manhã.

Sou do tempo em que brigar com o irmão não era rebeldia: era comprovar a árvore genealógica da família. Entre todos os planos que eu fazia, o mais importante era me tornar amigo do meu irmão, sem imaginar que pra isso era necessário sentir a saudade da distância. Queria ter afinidade com as ciências exatas para inventar uma equação que convertesse quilômetros em abraços. Aliás, carinho deveria ser uma unidade de medida indispensavelmente usual.

“No meu tempo”, ser adolescente era madurar, desenvolver até a fase adulta. Não tínhamos a pretensão de ser adultos. Queríamos apenas viver o que nos era proibido por algum motivo idiota pouco aparente.

Sou da época em que se apaixonar não era cafona: era bonito, simples de coração. Fazer planos com a namorada não era norma social, era apenas a tendência natural de fugir da possível solidão. Era uma terapia ocupacional pra quem amava demais e ser sozinho era pouco. Desde então eu já era boêmio e sonhava com noites regadas a bebidas, conversas de botequim, poesias e o sereno da madrugada que causaria uma pneumonia fatal. Todos acreditariam que a causa mortis seria mal do século, ou morrer de amor. Mais charmoso isso que bala perdida!

Minha geração herdou o costume de presentear a namorada com bombons e flores. Hoje inventaram a tal cesta de café da manhã, mas as flores e os chocolates persistem. Acredito que o diferencial, atualmente, seja ser galanteador. Aliás, uma das atividades que defendo a eterna existência.

Sou do tempo em que casamento era festividade desejada e planejada, verdadeiro acontecimento social. Não era algo tão banal e chorar durante a cerimônia não era ridículo. Por mais moderna que a pessoa se considere, na hora em que seu irmão estiver no altar esperando a noiva, uma onda de sentimentos vai tomar conta do seu organismo e todas as coisas bonitas que você acreditava quando era criança virão à tona e farão sentido. Nessa hora você perceberá que a tradição persiste e o significado de casamento não mudou tanto assim.

“No meu tempo” ser feliz era simples e barato: custava apenas uns chicletes, balas e doces de mercearia. Sonhar não precisava ser necessariamente na hora de dormir. Bastava apenas não ficar no meio da rua enquanto divagava sobre filosofias infanto-juvenis e durava até minha mãe me chamar para o jantar.

Sou da época em que nem tudo que passava na TV era bom, mas mesmo assim a gente queria assistir. Sou da época em que todo mundo queria o novo. O tempo de hoje é novo. Vivemos no novo! Afirmar que determinado tempo é melhor ou pior que outro significa assinar um atestado de intolerância, afinal, certeza é a coisa mais subjetiva que existe.

É no silêncio do caos da perda de sono que a gente presta atenção em como a vida passa com a mesma desatenção de quem escreve um texto ouvindo músicas com fone de ouvido.

Em que tempo você vive?